Kleber Mendonça Filho retorna aos cinemas com O Agente Secreto, drama de perseguição política escolhido para representar o Brasil na corrida ao Oscar 2026. Depois de estrear no Festival de Cannes e circular por mostras em Veneza, Londres e Marrakech, o longa chega às salas nacionais em meio a debates sobre a sobrevivência das salas escuras: o diretor viaja o mundo defendendo uma janela mínima de três meses entre estreia cinematográfica e chegada aos streamers, convocando o público a recuperar o ritual coletivo de ver cinema no escuro com outras pessoas. A estratégia já rendeu ingressos esgotados em sessões de pré-estreia e reacendeu a conversa sobre a importância da experiência exibidora em tempos de binge-watching.
Ambientado em 1970, o filme acompanha Marcelo (Wagner Moura), professor universitário perseguido pela ditadura que busca refúgio no Recife antes de fugir do país com o filho pequeno. A chegada à cidade desencadeia um jogo de sombras com um inimigo do passado, transformando a fuga numa corrida contra o tempo pelos becos, engenhos e cinemas decadentes do centro histórico. Mendonça Filho dirige com a mesma precisão espacial de Aquarius e Bacurau: planos-séries que atravessam casarões, contraluzes que escondem rostos, e uma trilha sonora que mistura boleros de galinhas, gaitas e ruídos de rádio de onda curta. O roteiro, escrito em colaboração com o pesquisador Júlio Taubkin, equilibra tensão de thriller e minúcias cotidianas: há cenas de tortura intercaladas por diálogos sobre futebol e pão de queijo, reforçando a ideia de que o terror político se infiltra na vida doméstica.
O elenco reúne nomes de diferentes gerações. Maria Fernanda Cândido vive a professora que abriga Marcelo, carregando o peso de uma militância que se desfaz no medo; Gabriel Leone surge como o polícia ambíguo que naveita entre a lealdade à corporação e a dívida pessoal com o protagonista. Alice Carvalho e Isabél Zuaa compõem a rede clandestina que move o professor por entre estufas de tomate e cinemas abandonados, enquanto Udo Kier aparece em cameada como coronel alemão naturalizado, ecoando o arquétipo do vilão transnacional que marca a filmografia do diretor. A fotografia de Pedro Sotero capta o lusco-fusco de Recife como território em disputa: o brilho dos azulejos portugueses contrasta com a poeira seca do interior, enquanto carros de época cortam avenidas ainda sem o trânsito contemporâneo. O uso de luz natural e filtros quentes remete ao visual de filmes como Z e A Conquista do Paraíso, mas atualizado por referências digitais — grãos de segurança, imagens de câmera de vigilância — que reforçam a vigilância do Estado.
A montagem de Eduardo Serrano alterna tempos distintos sem avisos visuais claros, obrigando o espectador a montar o quebra-cabeça cronológico ao mesmo tempo em que acompanha a tensão imediata da perseguição. O som, mixado em Dolby Atmos, coloca o público dentro das salas de interrogatório e sob o teto de colônias de férias, com o rumor do mar como constante que lembra a proximidade da fuga. Ao evitar cenas explícitas de violência institucional, Mendonça Filho recorre ao off e ao eco de gritos para sugerir o desaparecimento de corpos, método que amplifica o horror sem cair no espetáculo. O resultado é um thriller político que dialoga com clássicos do gênero — Estado de Sítio, A Hora da Estrela — mas ancora o conflito na geografia específica do nordeste brasileiro, onde a memória da repressão ainda reverbera em becos, teatros e cineclubes que resistem na era do streaming.
