Noite de sexta em Chicago, e a fila do Legends dá volta no quarteirão: aniversário de Buddy Guy, 89 anos, e o clube inteiro respira a expectativa de que o dono suba ao palco. A faixa sobre o bar diz “89”, mas o homem que chega do banquinho de sempre, paletó de bolinhas e boné branco, move-se com a mesma economia de gestos de quem ainda toca mais de 50 shows por ano. “Sou o último velho tocando blues”, ele comenta para a imprensa local, sem dramatismo, apenas constatando que, desde a morte de B. B. King (2015) e de outros contemporâneos, a linha direta com o Chicago blues elétrico dos anos 50 passou a ser ele.
A agenda confirma a frase: após oito apresentações em julho no Legends, Guy embarca para a costa leste dos EUA, depois para a Europa, encerrando 2024 com 75 datas. O disco que mantém o nome em circulação é “The Blues Is Alive and Well” (2019), mas o impulso novo vem da trilha de “Sinners”, filme de Ryan Coogler que o apresenta como Sammie Moore, guitarrista centenário que ensina vampiros a tocar. A cena final, com Guy raspando cordas da Lucille branca ao som de “I’m Your Hoochie Coochie Man”, levou 2,3 milhões de streams semanais na trilha e relançou o catálogo clássico da Silvertone/Sony: vendas físicas subiram 180% desde junho, segundo a Luminate. No clube, a merch adicionou 12 mil camisetas com a frase “Still Playing the Blues” estampada ao lado da assinatura dele.
O repertório da noite não surpreende: “Damn Right, I’ve Got the Blues” abre, “Feels Like Rain” mantém o balanço lento e “Skin Deep” encerra com solo de oito compassos que ele varia levemente, sem floreios de velocidade, mas com o bend microfonado que transformou o Chicago club em laboratório de som desde 1989. A banda é a mesma dos últimos dez anos: Rico McFarland (guitarra rítmica), Marty Sammon (teclados), Orlando Wright (baixo) e Tim Austin (bateria); nenhum convidado especial, nenhum re-arranjo. Guy prefere a consistência: “Se você veio me ouvir, vai ouvir o mesmo blues de sempre, só mais velho”, diz entre duas músicas, ajustando o capô no 3º traste da Fender Stratocaster 1957. O áudio é captado por um par de microfones Royer e mandado para a mesa Allen & Heath, mesma configuração de 2014: técnica analógica que preserva a saturação dos tweed Fender que ele usa desde os dias de Chess Records.
Fora do palco, o negócio gira em torno do clube: 400 lugares, cardápio de gumbo e costela, e um contrato de residência que garante ao músico percentual sobre bar e ingresso. O Legends não publica balanço, mas funcionários estimam receita bruta mensal entre 450 e 500 mil dólares quando Guy toca; sem ele, cai para 60%. A aposentadoria não entra em pauta: “Enquanto eu conseguir segurar o pick, vou tocar”, afirma, já de volta ao banquinho, observando a banda seguinte. A noite termina sem discurso oficial, apenas o riff de “Sweet Home Chicago” ecoando enquanto ele cumprimenta fãs, assina copos e retoma o controle do estabelecimento que, desde 1989, funciona como extensão do seu amplificador.
